5 maneiras que Marcia Lucas deu sua alma à Uma Nova Esperança

Semanas atrás o site Nerdist nos presenteou com uma incrível matéria de reconhecimento ao trabalho de Marcia Lucas no filme original de 1977. A matéria logo me interessou decorrente ao peso que ela tem para o cinema e para a saga. Desde que comecei a pesquisar sobre cinema, notei nas entrevistas que li certo aborrecimento de Lucas ao ter de dirigir o filme mesmo assumidamente professar suas aptidões para montadora. Uma das aulas que mais gosto de criar a cada universidade e a cada turma que leciono é justamente a de montagem de cinema. Aos que acham que edição e montagem de filmes sejam a mesma coisa, pelo menos na questão semântica aqui no país, se vale o esforço de mostrar a diferença destes dois conceitos.

Na edição, algo mais voltado pra TV, você edita quando corta e cola
imagens separando as imagens boas e descartando imagens ruins. Mas no caso do
cinema, Walter Murch já nos ensina em seu brilhante livro “Num Piscar de
Olhos” que a montagem de cinema é muito mais que separar material que
declarariam como descarte: nem todo
material é descarte, tudo é conceitual
.

Dito isso, poderemos partir para o caminho mais arenoso: como é editar
um filme que foi feito na raça e ninguém acreditava no seu potencial? Qualquer
diretor que se preze tem sempre dois profissionais ao seu lado: o diretor de
fotografia (que enxerga o mundo diegético, o mundo inventado do diretor) e um
bom montador que sabe o ritmo que o filme vai nos conduzir. E quando falo de
ritmo é pra parecer com uma música mesmo.

Todo mundo sabe que Star Wars foi criado por George Lucas e sem ele não
há saga. Isso é um fato. Mas várias outras pessoas importantes foram fatores
que transformaram Star Wars em STAR WARS, aquele filme que virou um folclore
mundial. O produtor Gary Kurtz, o designer Ralph McQuarrie e John Williams para
começar, pois destes ninguém esquece. No entanto, há outro nome com o qual você
pode não estar tão familiarizado, e essa é Marcia Lucas. A primeira esposa de
George foi uma editora extraordinária e uma figura muito importante na criação
de Uma Nova Esperança. Caso queiram saber outros trabalhos dela, basta ver
alguns filmes do mestre Francis Ford Coppola (Caminhos Mal Traçados, 1969) e de
Martin Scorsese (Alice não mora mais aqui, 1974; Taxi Driver, 1976 e New York,
New York, 1977), além dos filmes do até então marido.

Quem não faz ideia do peso de um montador para um filme precisa urgentemente assistir ao documentário “The Cutting Edge: The Magic of Movie Editing” (2004, dirigido por Wendy Apple) que por algum milagre ainda tem no YouTube (abaixo você pode conferir uma versão resumida e legendada em português; ou o documentário completo, porém sem legendas) e compreender da melhor maneira (uma maneira super bem humorada) o que é que torna o cinema um milagre da sétima maravilha do mundo.

Mas quem é Marcia Lucas? Muito antes de Kathleen Kennedy, Daisy Ridley e as mulheres contemporâneas de Star Wars, havia Marcia, Marcia e Marcia como a mulher significativa por trás de uma das maiores franquias da cultura pop. Uma das mais prolíficas montadoras da década de 1970, Marcia Lucas foi nomeada para um prêmio da academia por seu trabalho em Taxi Driver e ganhou um Oscar pelo trabalho que fez em Star Wars. Como o filme original que começou tudo se aproxima de seu 42º aniversário, aqui estão cinco maneiras em que Marcia Lucas ajudou a dar a galáxia muito, muito distante de seu coração pulsante.

Mestre Jedi 5 maneiras que Marcia Lucas deu sua alma à Uma Nova Esperança

CHEWIE E O DROID MOUSE

É o momento em Uma Nova Esperança, onde todos nós realmente nos apaixonamos por Chewbacca. Chewie solta um poderoso grunhido na Estrela da Morte, e então um pequeno droide camundongo se afasta em terror. Chewie dá um “oh, bem, desculpe por isso” ao agir corporalmente em “dar de ombros”, e instantaneamente ficamos apaixonados por ele. George Lucas quase cortou essa cena, e foi Marcia Lucas quem a salvou. No livro, A História Secreta de Star Wars, Mark Hamill diz: “Quando o pequeno robô rato aparece no momento em que Harrison e eu entregamos Chewbacca na prisão e ele ruge, grita e foge, George queria cortar isso e Marcia insistiu para que ele continuasse”. Esse é outro exemplo de George Lucas não entendendo completamente a necessidade de capricho e diversão nesses filmes, e Márcia compreendendo o porquê um filme como esse tem que ter esses momentos para conquistar o público. Aqui a montagem é emoção.

Mestre Jedi 5 maneiras que Marcia Lucas deu sua alma à Uma Nova Esperança

BEIJO PRA DAR SORTE

O processo de George para escrever Star Wars estava enviando um rascunho atrás de outro das versões editadas para obter as anotações das pessoas e depois massagear o roteiro com esse feedback em mente. Mas agora é comum o conhecimento de que Márcia foi a voz mais influente para George nessas conversas, e ela sugeriu muitos dos momentos “humanos” da saga.

Entre esses momentos estava o famoso beijo “por sorte” que Leia deu em Luke na Estrela da Morte. Em uma entrevista dada em 2013 ao Film Freak Central, Mark Hamill disse: “Eu sei que Marcia Lucas foi responsável por convencê-lo a manter aquele pequeno beijo por sorte antes de Carrie [Fisher] e eu balançarmos no abismo no primeiro filme: ‘Ah, eu não gosto disso, as pessoas riem nas prévias’, e ela disse: ‘George, eles estão rindo porque é tão doce e inesperado’ – e sua influência era tanta que se ela quisesse mantê-la, estava dentro”.

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A MORTE DE OBI WAN

Originalmente, Obi-Wan Kenobi deveria sobreviver ao duelo com Vader e fugir com Luke, Leia e Han. Contudo, foi Marcia Lucas que insistiu que Lucas matasse Obi-Wan naquele momento crucial, percebendo que ele realmente não contribui muito para o processo depois disso, e apenas fica por perto. Sua morte no filme é um dos momentos mais icônicos do cinema de ficção científica.

Em uma entrevista concedida à Rolling Stone em 1977, Lucas disse: “Eu estava reescrevendo, eu estava lutando com esse problema quando minha esposa sugeriu que eu matasse Ben, o que ela achava uma idéia muito escandalosa, e eu disse: ‘Bem, isso é uma ideia interessante, e eu estava pensando sobre isso’”. A morte de Ben foi um momento inesperado para o público, e ampliou a natureza do que a Força era, para permitir que Yoda emergisse no próximo filme, uma vez que Ben se foi como um mentor de carne e sangue. Aqui notamos a importância dos personagens dentro dos objetivos da narrativa.

Aqui cabe também analisarmos o peso da morte de um personagem como Snoke no episódio VIII para que assim emergisse Kylo Ren como verdadeiro vilão desta nova trilogia.

Mestre Jedi 5 maneiras que Marcia Lucas deu sua alma à Uma Nova Esperança

A CORRIDA DA TRINCHEIRA

Esta é possivelmente a maior contribuição de edição que Marcia Lucas fez para Star Wars. Embora o filme tenha dois outros editores credenciados (Richard Chew e Paul Hirsch e o T.M. Christopher na edição especial), Marcia Lucas se concentrou em editar a “trincheira final” (alguns chamam de corredor das naves) na Estrela da Morte. Muitos dizem que ela salvou todo o ato final, adicionando um senso de urgência. No livro “A História Secreta de Star Wars”, o autor Michael Kaminski diz que “A trincheira da Estrela da Morte foi originalmente roteirizada inteiramente diferente, com Luke tendo duas corridas no porto de escape; Marcia havia reordenado os tiros quase do zero, tentando criar uma tensão que faltava na sequência original do roteiro”.

Marcia Lucas quase nunca falou sobre Star Wars publicamente por várias décadas depois de se divorciar de George Lucas em 1983. Porém, em 2017, ela deu uma rara entrevista na produção de Star Wars, onde ela mencionou seu trabalho na sequência de trincheiras: “Se o público não reagir quando Han Solo voa na Millennium Falcon, este filme não vai funcionar”. E ela não estava errada. Agora, é considerada uma das maiores sequências de ação da história do cinema e o modelo de tantas cenas semelhantes para os próximos quarenta anos de filmes de ação.

Mestre Jedi 5 maneiras que Marcia Lucas deu sua alma à Uma Nova Esperança

RETORNO DO JEDI

Marcia Lucas não é creditada em “O Império Contra Ataca”, embora existam vários relatos não confirmados de que ela ajudou. No entanto, apesar de estarem se divorciando, Marcia ajudou a editar “O Retorno de Jedi”. E mais uma vez, as cenas que ela ajudou a editar deram ao filme seu núcleo emocional. De acordo com “A História Secreta de Star Wars”, ela editou as mortes de Yoda e Anakin Skywalker. Essas despedidas emocionais fazem parte do coração da jornada de Luke no filme e sua última contribuição significativa para a trilogia original. Que legado deixar para trás.

Se quiserem uma dica para compreender melhor os milagres da montagem do
cinema, observem bem as obras que ganham prêmios de montagem. Segundo Murch, os
extremos “gelo e vapor” nos revelam mais sobre a natureza da água do
que a própria água. Entender o corte e sua importância é primordial.
Acordamos, vivemos e dormimos com fluxo contínuo de imagens interligadas. Num
filme, a junção dos pedaços, o corte é um deslocamento de campo de visão para
outro e isso envolve um salto a frente ou atrás não apenas no espaço, mas no
tempo. É estrutura, é cor, é dinâmica, manipulação de tempo, o que torna
pertinente “o que é um pedaço ruim?”.

É necessário trabalho e discernimento para decidir onde não cortar.
Editor não é pago pra picotar o filme, mas para tomar decisões, 24 decisões por
segundo. Edição hiperativa é como um guia turístico que não consegue parar de
apontar coisas e muitas vezes queremos escolher por onde vamos olhar. Se o
editor não deixar isso ocorrer, ele atinge o controle absoluto como quem
estivesse forçando o espectador com as mãos atrás da cabeça.

 A conclusão, que é o papel da montagem de cinema, é respeitar uma
regra onde o espectador passe por uma viagem ao ver o filme. 

1) Emoção    
                     
              51%

2) Enredo    
                     
                23%

3) Ritmo    
                     
                   10%

4) Alvo de imagem  
                     
     7%

5) Plano bidimensional
da tela              5%

6) Espaço tridimensional da ação         4%

Mas se querem pensar a ordem que o filme passar pra preencher uma espécie de missões concluídas, os três primeiros itens (emoção, enredo e ritmo) estão intimamente ligados.

Artigo original:
sociedadejedi.com.br